Piquenique na Estrada: nem toda ficção científica é norte-americana
Confesso que sou relutante em explorar autores e títulos fora do meu “radar”. Tenho um ritmo moderado de leitura que, geralmente, é ocupado pela extensa bibliografia da faculdade. Nos raros momentos que me permito ler algo não-acadêmico me pego contemplando obras que já estavam na fila. Entretanto, às vezes, o risco vale a pena.
Piquenique na Estrada é uma obra soviética, escrita por Arkady Strugatsky e Boris Strugatsky (ou, apenas, irmãos Strugatsky), que chegou às terras brasileiras, em sua íntegra, pela editora Aleph. Tão logo soube disso, garanti minha cópia digital, física e capa dura (compulsão é o nome que damos a esse comportamento).
Originalmente publicado na União Soviética, em 1972, o livro sofreu dezenas de censuras, comentadas pelos proprios autores no posfácio do livro. Anos depois fora publicado na íntegra, tal como foi concebido.
A obra é o marco zero de um gênero que se tornaria referência e que intrigaria uma geração inteira: Stalker (que, inclusive, é o título de um filme interessantíssimo do diretor Andrei Tarkovski, inspirado no livro).
O conceito principal pode ser resumido da seguinte maneira: seres de outro planeta nos visitaram, nas chamas Zonas. Não deram a mínima para nós e foram embora, deixando vários badulaques interessantes e uma coletânea de anomalias que assombram esses locais. Dito isso, os stalkers são responsáveis por entrar nessas Zonas, captar a tecnologia extraterrestre e, se possível, retornar com vida.
Através de um conceito tão rico em possibilidades, os irmãos Strugatsky elaboram uma trama, com estrutura atípica, que nos prende do começo ao fim. Cada visita à Zona nos apresenta as mais bizarras e mortais possibilidades. Áreas de gravidade alterada, esferas douradas que realizam desejos, objetos de movimento perpétuo… tudo isso e eu sequer citei outro fator de imensa importância: o fator humano.
As dinâmicas entre nosso amado Redrick Schuhart (Red, para os íntimos), stalkers veteranos, o Instituto e os demais personagens são riquíssimas e expressam bem a personalidade de cada um. Red é o cara para quem você pagaria uma cerveja, caso o encontrasse em um bar sexta-feira à noite.
O livro expõe muito bem a autoridade dos stalkers, baseada em seu conhecimento extremamente específico sobre as Zonas e os métodos de deslocamento dentro delas. Um passo em falso e você se tornará uma panqueca desagradável de carne e ossos esmagados contra o chão.
Algumas das cenas memoráveis se passam fora dessas áreas de morte. A namorada de Red, Guta, é a personificação do sacrifício. Seu amor pelo namorado (e, capítulos depois, marido) faz com que ela viva uma vida de incertezas e solidão. Entretanto, a personagem é relativamente bem humorada.
Por fim, a leitura é leve, em vocabulário, e relativamente rápida. Ideal para “desintoxicar” de obras extensas e pesadas. A única queixa que deixarei aqui, respeitosamente, é a falta de mais material sobre o universo. Quando encerrei o livro, fiquei alguns bons segundos, paralisado, esperando mais, desejando mais (sensação semelhante ao episódio “Trilogia Sprawl", que tive o prazer de realizar em conjunto com a maravilhosa Glícia Nathállia). Assim, me vi “órfão”, afinal, as outras obras dos irmãos Strugatsky não foram traduzidas e tão pouco existe previsão para que isso ocorra.
Aqueles que estão na dúvida se o livro “vale a pena” só direi uma coisa: prepare seu coraçãozinho, vista seu traje de proteção e se prepare para tudo.
Grande abraço,